quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Quatro Perguntas para Leandro Narloch



Ele está de volta - para a raiva de muitos. Ex-editor das revistas Aventuras na História” e “Superinteressante”, o jornalista Leandro Narloch tem provocado celeuma com seu "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil" (ed. Leya, 320 p.) desde que o lançou e o viu entrar, para não sair mais, na lista de livros mais vendidos, em 2009. Justifica-se: com base em publicações, teses e documentos, o volume oferece um contraponto à História geralmente maniqueísta e ideologizada ensinada nas escolas e universidades brasileiras. Lá estão fatos "incômodos" do passado nacional, como os de que o líder da resistência à escravidão, Zumbi, também tinha escravos; Santos Dumont não foi o grande inventor do avião; e os guerrilheiros que combateram o regime militar (1964-1985) lutavam não por democracia, mas para implantar outra ditadura, socialista.

A princípio, mais de 200 mil pessoas informaram-se sobre tais temas, já pesquisados mas ainda pouco difundidos, por meio desse "Guia", o que pode fazer Narloch considerar-se com o dever cumprido. E o fato de ter indignado muitos historiadores e a parcela mais politicamente correta do público-leitor, também, já que "enfurecer um bom número de cidadãos" era igualmente um de seus objetivos. O trabalho, porém, não para. Agora, o autor publica um novo "Guia", que segue a mesma linha do primeiro, mas num terreno maior: a América Latina.

Escrito em parceria com o também jornalista Duda Teixeira, editor assistente da revista Veja, o "Guia Politicamente Incorreto da América Latina" tem como alvo o "falso herói latino-americano", como escrevem Narloch e Teixeira no prefácio, e certo viés de "coitadismo" que muitos autores imprimem a seus relatos sobre personagens históricos dessa região do globo. Então, depoimentos de chilenos sobre a crise econômica e institucional do período em que Salvador Allende foi presidente, descrições de execuções sem julgamento e de perseguições a roqueiros, hippies e gays realizadas por Che Guevara, e relatos de comemorações de grande parte dos "explorados" incas, maias e astecas quando da chegada dos conquistadores espanhóis (pois estes venceram os imperadores indígenas que obrigavam seus povos a fazer migrações forçadas) são alguns dos conteúdos que as 335 páginas do livro trazem. No twitter de Narloch, reclamações de leitores já começaram. E cumprimentos também.

Nesta entrevista, concedida por e-mail, ele fala da ideia que deu origem ao livro, do desprezo que muitos professores de História têm por jornalistas que escrevem sobre a área e, é claro, do chavão politicamente correto que pensa ser o maior da América Latina hoje. !Adelante!
(Lucas Colombo)



1. Cada capítulo do "Guia Politicamente Incorreto da América Latina" trata de alguma figura mítica da região, como Evita Perón, Salvador Allende e Simón Bolívar. Como foi a escolha dos temas? Ficou muita coisa de fora? Durante a produção do "Guia" brasileiro, a ideia para este já foi se configurando também?
Narloch - Eu e o Duda Teixeira tivemos a ideia do livro durante uma conversa, alguns meses depois do primeiro "Guia". Ele tinha acabado de voltar da Bolívia, aonde foi fazer uma matéria sobre políticos que se fazem de índios. Percebemos que existe uma militância ideológica muito forte relacionada à identidade latino-americana. Um livro sobre a mania dos latino-americanos de lamentar o próprio passado era mais do que necessário.

2. Na Introdução do "Guia" brasileiro, você diz que procurou reunir somente "erros das vítimas e heróis da bondade" e "virtudes dos considerados vilões", para ir de encontro ao tratamento romântico conferido a certos fatos de nossa História e, assim, "enfurecer um bom número de cidadãos". Uma das funções do jornalismo é (ou deveria ser) mesmo incomodar. Na sua opinião, a imprensa brasileira, atualmente, cumpre esse papel?
Narloch - Sim, incomodar, mostrar contradições e fazer barulho é um excelente papel da imprensa. Algumas publicações cumprem, sim, mas não com tanta audácia quanto fora do Brasil. Ainda há timidez em falar de concorrentes (nos EUA um jornal publica escândalos do concorrente) e sobretudo de anunciantes. Mas não é papel obrigatório da imprensa incomodar. Cada leitor deve escolher o tipo de jornalismo de que gosta mais. Quanto à história do Brasil, considero um mérito dos "Guias" chacoalhar o debate e fazer uma chamada geral para que livros didáticos se atualizem.

3. Em claro corporativismo, professores brasileiros de História menosprezam jornalistas que escrevem a respeito. Eu já ouvi historiadores dizendo que jornalistas (que também sabem ser corporativos) não deveriam "se meter onde não são chamados". É uma atitude tipicamente brasileira: nos EUA e na Europa, por exemplo, jornalistas escrevem sobre o que lhes dá na telha, sem ouvir reclamações de quem se considera dono de um dado assunto. Aqui, inclusive, motivados justamente por essa aversão, hackers já tiraram do ar o site do também jornalista e escritor de sucesso Laurentino Gomes. Seu blog nunca foi tirado do ar (hehe), mas você já foi alvo de alguma reação desse tipo?
Narloch - Na minha opinião, esses historiadores não sabem o que faz um historiador. É trabalho de jornalistas falar com o público. Historiadores, para mim, analisam documentos, certidões, registros e tentam tirar dali conclusões científicas a despeito de suas convicções ideológicas. Isso passa muito longe dos meus livros. Eles não são parciais nem científicos: mostram apenas um lado, o mais desagradável, da história. Alguns historiadores gostaram do "Guia", outros não, mas a postura mais comum foi de indiferença. O que dá pra entender, afinal o livro não tem nada de original, nada que um historiador antenado não deva saber.

4. Pergunta chatinha, mas irresistível: que clichê politicamente correto é o mais eloquente na América Latina hoje, e que poderá ser contrariado por um "Guia" daqui a 30 anos?...
Narloch - O mito de que ser neoliberal é ruim. A prosperidade do Brasil nos dias de hoje é resultado de políticas liberais básicas - responsabilidade fiscal, controle da inflação, privatizações. Mas, para muita gente, "neoliberal" é demônio. É o capeta. É um nazista.

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